terça-feira, 27 de abril de 2010

Ao João Paquete


Recentemente, todos perdemos o João abruptamente, vítima de uma doença ardilosa, cobarde, que o afectou sem aviso, até que o levou. Durante semanas tentei escrever sobre o meu amigo, tentei manifestar por palavras a minha revolta, mas fui incapaz. Porém, nos últimos dias, ao contactar directamente com a mãe do João, a D. Paula, a minha postura em relação à partida dele mudou drasticamente.

Devemos afligir-nos pelos desafortunados que partem sozinhos, por um qualquer acaso ou culpa própria, por aqueles que nos deixam sem causar impacto algum no Mundo, na comunidade onde se inseriam ou no seio da sua família. Nada disto aconteceu com João. Este miúdo doce, alegre e determinado, partiu com o reconhecimento e afecto daqueles que o conheciam mesmo não lhe sendo próximos, a admiração e a amizade de professores, treinadores e adversários, mas sobretudo, o amor incondicional e fervorosa devoção de amigos próximos e família.

É impossível negar que o João nos deixou demasiado cedo, que tinha muito para dar ao seu país e à sua cidade e que nada do que possamos escrever fará jus à pessoa encantadora que ele sempre foi. Contudo, não nos devemos demorar nestes pensamentos sorumbáticos e derrotistas. Não seria certamente essa a vontade do João. Aquilo que devemos ganhar tempo a relembrar é os momentos bons que com ele vivemos. O seu riso, as suas brincadeiras constantes, as suas vitórias, os seus cestos e os seus méritos.

Saber que um miúdo que viveu tão pouco tempo foi adorado com tamanho ardor tranquiliza a minha tristeza. Dou comigo a rir-me dos poucos, porque poderiam ter sido muitos mais, momentos que vivemos juntos e aquieto-me. O João não poderia ter tido melhores amigos, mais belas pretendentes, melhor irmã e, permitam-me destacar, mãe mais corajosa e dedicada, claramente merecedora do filho que teve e educou. A D. Paula tem sido para todos nós, principalmente os mais jovens, um exemplo de destemor, de fé e benevolência.

A sua determinação faz-me recordar a força e perseverança que o filho sempre apresentou em campo, na escola e na vida, que nunca foi fácil para ambos. São estes exemplos que motivam toda uma comunidade a querer fazer melhor todos os dias, que impele cada um de nós a impor mais amor e solidariedade em todas as nossas relações interpessoais e nos obrigam a justificar a nossa permanência fortuita junto daqueles que mais amamos. Uma verdadeira homenagem a um miúdo com a vitalidade e ousadia do João não se faz apenas com palavras. A estas temos a obrigação de acrescentar os actos que farão deste Mundo um lugar mais fraterno.

No último Sábado assisti a um tributo sentido por parte dos seus colegas de equipa, do seu e meu, inexcedível treinador, João Sousa, dos seus dirigentes e fãs, no Palácio dos Desportos. Ver uma equipa de meninos feitos homens subitamente, congregar-se em torno da memória do João e vencer indubitavelmente os seus concorrentes directos, progredindo até à meia-final da Taça Nacional, fez-me ver como todos precisamos de exemplos para nos excedermos enquanto indivíduos.

Soube recentemente pela mãe do João que ele leu as memórias de Martin Luther King, ainda muito novo, o que a meu ver demonstra a sua capacidade e vontade de aprender. King foi certamente um modelo a seguir para ele, como o é para mim.

Espero sinceramente que todos relembremos o João Paquete, não como um miúdo desventurado que partiu cedo, mas antes, como um miúdo que partiu amado como nenhum outro e que, pela sua vontade de viver, o ímpeto que colocava em todas as suas acções e a devoção que empregava aos seus afectos, à semelhança de Luther King, figure um exemplo e fique para sempre nos nossos corações. Algo que nunca esquecerei do João era a forma carinhosa com que sempre falou da mãe e da irmã, algo que é infelizmente raro nos jovens da sua idade.

A minha mensagem está dada. Resta-me agora passar das palavras aos actos e fazer por merecer a amizade do João. Não se aflijam porque o seu sorriso especial e aquele olhar sonhador não vos largarão nunca. E guiar-nos-ão o resto das nossas vidas como a sua prancha nas ondas da Zambujeira onde se quedará para sempre, feliz.

sábado, 3 de abril de 2010