segunda-feira, 1 de novembro de 2010

In Torrejano - Instrução Cívica por Cumprir


Ao longo das últimas semanas temos assistido a um interessante debate sobre a primeira república. Não pretendo aqui tecer comentários sobre o regime mas antes sobre as comemorações do seu centenário. Como muitos afirmaram anteriormente, parece-me que o fundamental destas comemorações é fomentar o debate, gerar interesse junto do cidadão comum, principalmente dos jovens. Devemos por isso pensar cem anos de república e não exclusivamente o regime conturbado que duraria até 1926.

A minha geração desenvolveu-se numa época de estabilidade, numa época em que o regime político é praticamente incontestado, com excepção de uma minoria residual monárquica, numa era de plena integração europeia e logo de uma democracia liberal jovem, em processo de maturação. Crescemos por isso num verdadeiro clima de “fim da história”, para usar um termo muitas vezes mal interpretado de Francis Fukuyama.

Nascidos na década de noventa, vemos muitas vezes o mundo através da objectiva europeia e pensamos as diversas liberdades individuais como algo adquirido. A verdade é que ainda existem no mundo dezenas de regimes autoritários, dezenas de estados falhados e milhões de mortos a eles devidos. É vital que esta geração largue as suas consolas durante algumas horas, esqueça por momentos as estupidificantes redes sociais que frequenta e que reflicta sobre este regime que celebra cem anos!

Ouvi a propósito do 5 de Outubro de 1910, e não do desprezado 5 de Outubro de 1143, data do Tratado de Zamora, José Miguel Sardica, reputado historiador nacional, defender que falta cumprir um dos principais ideais do republicanismo, a instrução cívica. Os diversos governos republicanos tentaram durante os dezasseis anos da primeira república combater o analfabetismo, infelizmente sem grande sucesso. Essa batalha está hoje ultrapassada mas não devemos resignar-nos neste mundo global e competitivo.

Para cumprir o ideário republicano, há que exigir mais da escola pública. Não me refiro a mais investimento. Parece-me que investimos o suficiente. Refiro-me a qualidade de instrução. Temos de incentivar as nossas gerações mais novas a ler mais, a discutir questões de interesse público de forma construtiva, a estudar e a cumprir o seu dever de retribuir à sociedade o elevado investimento na sua educação.

Esta mentalidade empreendedora, activa, em última análise cívica e republicana, não deve ser apenas incutida pelo ministério da educação através de programas exigentes. Deve ser também instigada pelos professores que têm a obrigação de criar um ambiente propício à aprendizagem, impondo a disciplina indispensável, e pelos pais que devem fazer os seus filhos compreender o quão basilar é a escola, bem como acompanhar o seu aproveitamento, não se demitindo da sua função de os educar convenientemente.

Bem sei que tudo isto tem um esplêndido aspecto no papel, que o ministério da educação não fomenta uma política educativa séria e exigente e que os professores não conseguem manter crianças na ordem porque lhes foi retirada a autoridade necessária, sob o aplauso fervoroso dos pais extremosos. Contudo, este é o único caminho para tornar este rectângulo solarengo num país suficientemente competitivo, para não dizer minimamente habitável, nas décadas vindouras. Em última análise, há que fazer cumprir a “coisa pública” na sua essência.