Em miúdo, como a grande maioria das pessoas, achava engraçado mascarar-me, encarnar uma personagem, normalmente um herói de um qualquer livro infantil, mas com o tempo a magia do disfarce foi transformando-se num profundo desalento. Fui-me apercebendo que pessoas normalmente austeras faziam as maiores trapalhadas por detrás de uma máscara. Fui-me apercebendo que o Carnaval não passa de um incentivo à folia desregrada, à violação do socialmente aceitável e à cobardia.
Por detrás de uma máscara atrevemo-nos a fazer coisas que rejeitaríamos veementemente caso expuséssemos a nossa face. Por detrás de um disfarce esquecemos por escassas horas as nossas angústias, desencantos e imperfeições e vivemos uma ilusão. Na prática ficamos descaracterizados, deixamos de ser quem realmente somos. Quando o Carnaval termina passamos pela célebre fase da ressaca, não alcoólica mas sentimental, psicológica. Voltamos à vida banal, rotineira e difícil, o que ainda nos torna mais tristes.
A partir de determinada altura deixei pura e simplesmente de achar graça a quem necessita de uma máscara para se divertir. O vastamente publicitado Halloween americano é outro exemplo desta despersonalização a que nos sujeitamos para esquecermos quem de facto somos e em que estado se encontra a nossa vida, um pouco ao estilo do indivíduo que se embriaga para esquecer as suas misérias.
Uns escassos momentos de folia desregulada, em que quase tudo é permitido dado que “ninguém leva a mal”, apenas servem para nos mantermos em contacto com os nossos instintos mais primários. Contudo, o que mais me entristece no Carnaval “português” é a imitação pobre, pouco brilhante e enregelada do Carnaval brasileiro. Há séculos que temos esta tendência deplorável de nos rebaixarmos a outras culturas, a importarmos hábitos que invariavelmente soam a falso de tão descontextualizados.
Porém, tudo isto se torna mais embaraçoso se nos lembrarmos que Eça já criticara esta nossa tendência em Os Maias, na célebre descrição da corrida de cavalos, sem que entretanto tenhamos invertido esta situação. Vamos provavelmente continuar a rejeitar as nossas tradições, a desvalorizá-las e a preferir tantas outras de países e culturas distantes nos próximos séculos.
Viva o Samba característico de Loulé e as moças desnudas que por lá desfilam no calor tórrido do Inverno português, apenas suplantadas pelos valorosos “Papais Noéu” em barrete, botas e casaco vermelho nas geladas praias Cariocas em pleno Verão!
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