Durante os últimos anos da Monarquia constitucional, a oposição republicana usou todos os estratagemas possíveis para desacreditar o Rei D. Carlos, usando sobretudo a imprensa livre como veículo de propaganda anti-monárquica, muitas vezes incitando à violência e caluniando. Durante esses anos de demagógica propaganda os republicanos ofereciam soberania popular, um regresso ao Estado de Direito que nunca deixara de existir e sufrágio universal.
Instalados confortavelmente no poder, acharam-se no direito de diminuir o número de recenseados de forma deliberada, sobretudo analfabetos que estariam ainda sobre o jugo da Igreja e proibiram em 1913 o voto feminino, após a ardilosa intervenção jurídica de Beatriz Ângelo. Encetaram também um período de franca perseguição à Igreja com a Lei da Separação de 1912, tudo isto com o objectivo de irradiar o catolicismo em duas gerações, segundo Afonso Costa, dado que este interferia com a benemérita pretensão do PRP de libertar um povo que não pedira para ser libertado.
Este foi um tempo de radicalismo, de anticlericalismo, de perseguição religiosa e não de laicização! Os benfeitores radicais do PRP encaravam tudo isto com um ardor quase messiânico, tendo Afonso Costa afirmado em 1914 que “o PRP tem obrigação de defender o povo, mesmo contra a vontade do próprio povo”, o que nos relembra alguma da tolerância iluminada de Rousseau.
Havia que criar um “novo homem republicano” e esse foi o principal objectivo do programa educativo do PRP que, em boa verdade, não alcançou os resultados desejados de alfabetização por falta de investimento. A prioridade era doutrinar o povo, republicanizar a opinião pública, torná-lo no obediente cão de fila da Republica contra as “hordas reaccionárias”. Uma espécie de generalização da “formiga branca”, que intimidasse a maioria moderada ou conservadora, rural e católica. Como avançou Vasco Pulido Valente, “O PRP (…) procurou sempre uma maneira de se nacionalizar, ou seja, de surgir à nação como mais do que uma esquálida tirania da plebe urbana.”
A 1ª Republica foi tudo menos um movimento nacional. Foi essencialmente um governo opressivo de uma facção extremista contra a maioria dos cidadãos durante a chamada República Velha, um regime personalista e autoritário durante a República Nova de Sidónio Pais e um regime instável, em permanente quase guerra civil durante o regresso à Velha República.
Este foi um período de repressão, de violência, de anarquia, de diminuição dos direitos cívicos e de uma verdadeira “caça às bruxas” a monárquicos, conservadores, religiosos, clérigos, entre outros. Tendo em conta a concepção negativa de liberdade de autores como Constant e Stuart Mill, que considera que um indivíduo é livre quando não é coagido a agir contra a sua vontade, pergunto então aos meus adversários se mantêm que a 1ª república foi uma experiência de liberdade.
E se a pensarmos no seu sentido positivo, como a capacidade de um indivíduo decidir sobre o seu próprio rumo, de se emancipar das tradições e superstições que os partidários da república achavam opressoras e limitativas, foi esta uma experiência de liberdade? A mim não me parece. Mas caso assim acreditem, peço aos presentes que imaginem a noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921 e me digam que conceito de liberdade vale a pena defender. Aquele que nos resguarda de sofrer às mãos de outro ou aquele que degenera na tirania dos visionários que nos pretendem mostrar A verdade.
Isaiah Berlin – “Liberty is liberty, not equality or fairness or justice or culture, or human happiness or a quiet conscience”.
2 comentários:
Os grande pesadelos ocorrem quando se sacrifica a "liberty" para atingir "equality", "fairness", "justice", "culture", "human happiness" ou "quiet conscience".
Neste sentido, a I República deixou muito a desejar.
JR
Caro Professor José Ricardo Costa,
Tem toda a razão. Creio que esse raciocínio terá sido a maior contribuição de Berlin. Não há nada pior do que sacrificar vidas presentes numa busca utópica por um amanhã "celestial". Amanhã esse que obviamente nunca chegará e que servirá de pretexto a todo o tipo de vilanias e atrocidades.
Jtg.
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