segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Centenário da República – Manifesto anti-radicalismo

Este texto representa um esforço ténue no que toca a desmistificar algumas construções racionalistas, a meu ver propositadamente elaboradas pelos radicais da Republica no princípio do século XX, e que continuam a ser perpetuadas pelos actuais radicais republicanos sem fazer justiça à História Universal.

O mais flagrante é o que erradamente acusa os monárquicos de déspotas, absolutistas ou tiranos. Os republicanos modernos contribuíram em larga medida para a disseminação da ideia de que a monarquia é avessa à democracia, ou por outra, que apenas a Republica é fiel à democracia. Haverá algo de mais falso?

Esquecem-se, reafirmo, propositadamente, estes republicanos que a Inglaterra, para dar o exemplo mais evidente, foi o esteio da liberdade, a trave mestra da defesa contra os totalitarismos, inimigos da democracia. Abstêm-se de dizer que Churchill aquando da segunda Guerra Mundial era primeiro-ministro de um estado monárquico, primeiro-ministro de uma Monarquia Constitucional de um país com a maior das tradições liberais. Monarquia não é claramente sinal de despotismo!

Se nos cingirmos à história nacional esbarraremos noutro mito tenebroso aparentemente apoiado pelo nosso Primeiro-Ministro e por Manuel Alegre, candidato à Presidência da República, segundo os seus recentes discursos a propósito das comemorações do centenário da república. Para ambos a Republica foi responsável pelo desenvolvimento da democracia em solo português. Se tivessem afirmado que a 3ª república, somente depois do período conturbado conhecido por PREC foi a grande responsável pela consolidação da democracia eu não poderia estar mais de acordo, contudo estes respeitosos cavalheiros referiram-se ao momento originário da Republica. Tal afirmação é desrespeitosa para com a história nacional.

Parece-me evidente que os republicanos contemporâneos com estas magníficas comemorações apenas pretendem redesenhar a história, fazendo-nos acreditar que a 1ª República foi um período de liberdade, intervenção cívica plena e de democracia. Lamento ter de fazer o papel de mau da fita mas é vital que os desinformados fiquem cientes que este período foi profícuo em repressão política, em revoltas militares e civis, em instabilidade governativa, cenas de luta entre deputados em pleno parlamento e grave retrocesso no respeito às liberdades individuais que já existiam durante o reinado do rei D. Carlos.

O mito de que a primeira Republica foi o advento da democracia e do progresso é uma construção republicana que dura há quase um século. Àqueles que não acreditem num jovem estudante do primeiro ano de ciência política recomendo que leiam parte da obra de Vasco Pulido Valente, Rui Ramos, Oliveira Marques ou do próprio Fernando Pessoa. Talvez assim percebam que Afonso Costa e os seus “capangas” lideraram um movimento racionalista que se propunha a mudar Portugal à revelia da grande maioria da população, atrasada, segundo os próprios.

É típico dos racionalistas dogmáticos e totalitários apelidar o povo de atrasado, mesmo que este o não seja, para poderem abolir as liberdades individuais e impedir qualquer tentativa de oposição séria. Já chega de anos de mentiras e de reformulações ilusórias da nossa história por fervorosos republicanos esquerdistas, laicos e alegadamente democráticos como é o caso de João Rosas, historiador supostamente insuspeito.

Estes militantes republicanos têm-se esquecido de revelar as fragilidades do regime que idolatram, ao contrário da maioria dos monárquicos portugueses que não negam o absolutismo, o desbarate das diversas casas reais, a Inquisição e muitos outros “pecados”. Gostaria porém de frisar, neste preciso momento do meu manifesto, que não sou monárquico mas antes republicano. Sou um grande partidário do princípio de que qualquer indivíduo, seja qual for a sua proveniência, possa chegar a Chefe de Estado através do consentimento da maioria dos eleitores, aplicando o sufrágio universal.

Apesar disto, devo realçar que antes de republicano sou adepto da democracia liberal e da sociedade aberta, para usar novamente um termo de Karl Popper. Achei contudo necessário opor-me a esta radicalização da república e do seu ideário.

A verdade é que em cem anos de república Portugal suportou mais de cinquenta anos de tirania, algo que os racionalistas dogmáticos republicanos dissimulam esquecer-se. Não me refiro apenas ao Estado Novo, como é evidente. Houve uma boa dose de tirania na primeira república às mãos do Partido Democrático, que nada tinha de democrático claro está, e dos governos provisórios do Processo Revolucionário Em Curso após 74.

Ao contrário do que possam dizer Alegre e Sócrates, a Republica trouxe tirania em 1910 e não democracia e progresso. Republicanos e anarquistas fizeram durante vários anos uma intensa perseguição à casa real, através de indecorosas difamações que minaram a opinião pública miserável das grandes cidades. O ódio incitado nas massas descontentes com a crise económica e a fragilidade da política externa nacional, provocou a queda do regime através de um golpe de estado. Depois disso veio a repressão e a censura, algo que não existira na monarquia constitucional.

A verdade é que terroristas recorreram ao assassínio, ao regicídio e a atentados para minar a monarquia que acabou por cair praticamente sem defesa. Depois de chegados ao poder os elementos do Partido Republicano Português limitaram o voto aos rurais, monárquicos, maioria da população que obviamente não os aceitava. Engraçado que passados cem anos, com um regime republicano bem estabelecido os políticos nacionais continuem a evitar o referendo de que os seus parceiros “democráticos” bravamente fugiram.

Manuel Alegre, republicano insuspeito, foi um fervoroso crítico do Estado Novo, o que lhe agradeço. Apesar disto, cai no mesmo erro que os seus velhos inimigos salazaristas. Tenta rescrever a história e moldá-la a seu bel-prazer, com evidentes fins eleitoralistas. A mim, jovem sonhador, parece-me que devemos aprender com os erros da história e para tal devemos conhecê-la. Não adianta que senhores como João Rosas venham tentar disfarçar ou embelezar factos históricos. A primeira república foi o símbolo da instabilidade governativa e social e suscitou que uma boa parte da população, Pessoa incluído, apoiasse o golpe de 28 de Maio de 1926 e aceitasse o autoritarismo. Não adianta tentar ludibriar-nos meus senhores, basta!

Antes devemos tirar as devidas ilações destes acontecimentos. Através de outra revolta militar abolimos a ditadura e mais tarde através da sagacidade de verdadeiros democratas evitámos que o país caísse às mãos de uma tirania de esquerda. Senhores como Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Ramalho Eanes e Diogo Freitas do Amaral souberam contrabalançar o barco, à boa maneira de Edmund Burke.

É esse o meu principal objectivo ao publicar este manifesto. Contrabalançar o barco. Chega de enganar as novas gerações, de as instigar a uma divinização do republicanismo, algo um tanto estranho num Estado laico, de alterar a história e usar as referidas comemorações do centenário da Republica para ganhar eleições e perpetuar a supremacia de um regime em relação a outro. Parece-me que muitos monárquicos e republicanos estarão de acordo comigo mas espero que o estejam sobretudo, os verdadeiros amigos da sociedade aberta. Temos um combate ideológico a travar, contra o relativismo e o radicalismo primários e não nos devemos imiscuir de o fazer.

Como disse Edmund Burke, “All that is necessary for the triumph of evil is that good men do nothing”.

5 comentários:

Pedro moreira disse...

Muito bom! Indeed!
Deves ter levado muito tempo para só escrever este ensaio. Vamos la ver quando é que o blog da Andreia começa para pormos la as nossas reflexoes ;-)

José Ricardo Costa disse...

Mas que grande post! E já deu para ver que anda com muito boas companhias na mesinha de cabeceira.
Eu não sou monárquico, no sentido em que considero ser a monarquia intrinsecamente preferível à república. Mas ainda estou para entender o que haverá para comemorar com a implantação da república. Só se for a longa noite de 48 anos que, muito provavelmente, não teria ccorrido com D. Manuel II no trono.

P.S. O seu blogue já está na minha lista de favoritos.

JR

João Tiago Gaspar disse...

Grande Pedro!
Obrigado pelo elogio, diz-me muito vindo de alguém com as tuas leituras.
Espero ansiosamente pelo blog dela (confesso que nem sabia que ela estava a projectar um!).
Também "postas"? Como deves ter reparado sou um tenro principiante!
Grande abraço

João Tiago Gaspar disse...

Caro José Ricardo Costa,

Obrigado pelo seu comentário. Tem toda a razão, de facto. Apesar disso, o que achei mais ridículo foi o facto de terem despendido tempo precioso a comemorar o dia 31 de Janeiro, uma revolta praticamente irrisória vinte anos antes de 1910! É incrível o que a classe política faz para consolidar um regime que surgiu, ilegalmente, à cem anos.

Muito obrigado pela atenção. Devo dizer-lhe que sou um fã confesso do seu blog.

JTG.

Unknown disse...

Men:
Vou fingir que tu não és meu filho e que não te conheço de lado nenhum. Não sou especialista na matéria mas acho que esta análise devia ter outra visibilidade que não só o teu blog. Estuda e pensa muito e verás que o teu futuro será luminoso. Tiago Gaspar