domingo, 7 de março de 2010

O Livro Impresso


Ultimamente tenho estranhado a forma como a sociedade portuguesa tem discutido, ou antes, elogiado os chamados livros electrónicos. O que mais me espanta não é o comentário fervoroso dos mais vanguardistas, mas antes o desapego com que os conservadores se despedem deste formato que me é caro, o livro. Sempre ouvi os primeiros acusarem os segundos de “conservadorismo provinciano”, mas a verdade é que quase todos, incluindo as editoras, se resignaram à concorrência electrónica, apesar de rejeitarem a morte do livro enquanto objecto físico.

Parece-me que a experiência de leitura nunca mais será a mesma se abdicarmos dos calhamaços, acumuladores de pó e açambarcadores de espaço precioso nas nossas atravancadas casas. O cheiro do livro desaparecerá, assim como o amarelado progressivo das suas páginas envelhecidas pelo tempo. Deixarão de existir lombadas fragmentadas pelo frequente manuseamento e as anotações marginais em tenebrosas caligrafias deixarão de ser possíveis.

Haverá leitor ávido que em criança não tenha usado uma lanterna para poder ler sem incomodar ninguém ou para esconder o prazer de ler um livro de aventuras dos pais ou avós zelosos pelo seu sono? Que mística proporcionará um livro electrónico nesta situação? A luz incidirá em toda a página, não acompanhará a leitura lenta e diligente da criança sedenta de informação, perder-se-á o receio de voltar a página, dado que o ecrã não produzirá qualquer ruído denunciador.

Estou certo de que o livro não se extinguirá, tal como o vinil não se extinguiu devido ao prazer que sentimos em colocar a agulha no sítio pretendido, pelo seu toque único. Também não estou preocupado com a sua utilização por parte de adultos, que cimentaram o gosto pela leitura utilizando um objecto muito mais intimista. Estou preocupado com essa nova geração de leitores, num país como o nosso, com poucos leitores assíduos, onde os presentes de aniversário mais comuns de uma criança de seis anos são um telemóvel, uma consola portátil ou um mp4.

Interessar-se-ão os miúdos por as histórias contidas num livro electrónico que está também recheado de aliciantes mas estupidificantes jogos e preparado para o livre acesso à Internet e aos seus mais diversificados conteúdos, muitos deles de proveniência duvidosa? Escusado será dizer que nenhum pai fiscalizará a utilização que o filho fará do seu livro electrónico. Aliás, este servirá apenas para o calar durante mais uns minutos, como todos os outros aparelhos que referi.

O livro enquanto objecto é muito mais do que um suporte de propriedade intelectual. Pensar que este poderá alguma vez ser substituído por um frio suporte plastificado/platinado é desconhecer a essência do que é juntar as primeiras palavras, do que é subir a um banco frágil para alcançar o livro com o título mais apelativo da estante, é desconhecer o que é coleccionar marcadores de livros, do que é ler e sentir que as paisagens, as personagens, o enredo, se reformulam ao virar de cada página.

Deixo uma última questão aos fãs dos livros electrónicos. Se deixarmos de editar livros, o que faremos à nossa pilha de “livros por ler”? Copiaremos os seus títulos para uma miserável pasta digital?!


Não rejeito de todo a utilidade dos livros electrónicos mas insisto neste ponto: Nem sempre as melhores soluções, as puramente racionalistas, depois de avaliadas e reavaliadas, são as que mais nos satisfazem. Há certas coisas que me fazem preferir ser sentimental, apaixonado. O livro trás cheiro, som e roçagar às minhas leituras e nada me fará trocá-lo por um mísero plástico reluzente. As árvores que me desculpem.

Sangue para um País que se Esvai

Através de uma catadupa de notícias alarmistas, tomei conhecimento de que a reserva nacional de sangue estava debilitada. Dirigi-me ao hospital de Torres Novas, recente e bem equipado, para contribuir com poucos centilitros de altruísmo, ou se preferirem, de puro auto-regozijo pela minha generosidade.

Dada a urgência da situação, nem sequer questionei que o serviço pudesse estar fechado, mesmo tratando-se de uma manhã de Sábado. Para quê apelar à boa vontade dos cidadãos, para quê fazê-los perder o seu tempo, para depois frustrar a sua boa resposta? Provavelmente se fosse um pouco mais velho, se tivesse alguns anos mais do que é ser português, tivesse agido de forma mais cautelosa, menos apaixonada, e procurado conhecer o horário de recolha antes de me dirigir ao hospital.

A verdade é que no hospital de Torres Novas só se efectuam colheitas de sangue aos sábados de manhã uma vez por mês e eu não tinha acertado com o dia. Na inocência da minha juventude acreditei piamente que situações extraordinárias requeriam medidas extraordinárias. Não pude dar sangue naquele Sábado, há umas semanas atrás, mas hoje regressei, em dia estipulado, para consumar a dita recolha. Como seria de esperar o serviço estava a abarrotar e as minhas expectativas goraram-se novamente.

Apesar de tudo não desisti, ainda. Pior do que deixar alguém morrer por indisponibilidade de umas míseras gotas de sangue, por puro desinteresse da sociedade, é permitir que tal aconteça quando alguém se interessou, quando alguém quis de facto ajudar o moribundo com as suas mínimas mas vitais gotas.

Sugiro a todos os Torrejanos, aos poucos que lerem este comentário, que se dirijam daqui a um mês ao hospital. Talvez um novo dia de sala cheia e de ajuda desperdiçada façam os responsáveis alargar o diminuto período de recolha.