Ultimamente tenho estranhado a forma como a sociedade portuguesa tem discutido, ou antes, elogiado os chamados livros electrónicos. O que mais me espanta não é o comentário fervoroso dos mais vanguardistas, mas antes o desapego com que os conservadores se despedem deste formato que me é caro, o livro. Sempre ouvi os primeiros acusarem os segundos de “conservadorismo provinciano”, mas a verdade é que quase todos, incluindo as editoras, se resignaram à concorrência electrónica, apesar de rejeitarem a morte do livro enquanto objecto físico.
Parece-me que a experiência de leitura nunca mais será a mesma se abdicarmos dos calhamaços, acumuladores de pó e açambarcadores de espaço precioso nas nossas atravancadas casas. O cheiro do livro desaparecerá, assim como o amarelado progressivo das suas páginas envelhecidas pelo tempo. Deixarão de existir lombadas fragmentadas pelo frequente manuseamento e as anotações marginais em tenebrosas caligrafias deixarão de ser possíveis.
Haverá leitor ávido que em criança não tenha usado uma lanterna para poder ler sem incomodar ninguém ou para esconder o prazer de ler um livro de aventuras dos pais ou avós zelosos pelo seu sono? Que mística proporcionará um livro electrónico nesta situação? A luz incidirá em toda a página, não acompanhará a leitura lenta e diligente da criança sedenta de informação, perder-se-á o receio de voltar a página, dado que o ecrã não produzirá qualquer ruído denunciador.
Estou certo de que o livro não se extinguirá, tal como o vinil não se extinguiu devido ao prazer que sentimos em colocar a agulha no sítio pretendido, pelo seu toque único. Também não estou preocupado com a sua utilização por parte de adultos, que cimentaram o gosto pela leitura utilizando um objecto muito mais intimista. Estou preocupado com essa nova geração de leitores, num país como o nosso, com poucos leitores assíduos, onde os presentes de aniversário mais comuns de uma criança de seis anos são um telemóvel, uma consola portátil ou um mp4.
Interessar-se-ão os miúdos por as histórias contidas num livro electrónico que está também recheado de aliciantes mas estupidificantes jogos e preparado para o livre acesso à Internet e aos seus mais diversificados conteúdos, muitos deles de proveniência duvidosa? Escusado será dizer que nenhum pai fiscalizará a utilização que o filho fará do seu livro electrónico. Aliás, este servirá apenas para o calar durante mais uns minutos, como todos os outros aparelhos que referi.
O livro enquanto objecto é muito mais do que um suporte de propriedade intelectual. Pensar que este poderá alguma vez ser substituído por um frio suporte plastificado/platinado é desconhecer a essência do que é juntar as primeiras palavras, do que é subir a um banco frágil para alcançar o livro com o título mais apelativo da estante, é desconhecer o que é coleccionar marcadores de livros, do que é ler e sentir que as paisagens, as personagens, o enredo, se reformulam ao virar de cada página.
Deixo uma última questão aos fãs dos livros electrónicos. Se deixarmos de editar livros, o que faremos à nossa pilha de “livros por ler”? Copiaremos os seus títulos para uma miserável pasta digital?!
Não rejeito de todo a utilidade dos livros electrónicos mas insisto neste ponto: Nem sempre as melhores soluções, as puramente racionalistas, depois de avaliadas e reavaliadas, são as que mais nos satisfazem. Há certas coisas que me fazem preferir ser sentimental, apaixonado. O livro trás cheiro, som e roçagar às minhas leituras e nada me fará trocá-lo por um mísero plástico reluzente. As árvores que me desculpem.
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